Sara Sadik: Dors petit Dors
A Kunsthalle Lissabon tem o prazer de anunciar Dors petit dors, a primeira exposição individual em Portugal da artista francesa Sara Sadik.
Com uma “canção de embalar”, a memória viaja muitas vezes para universos oníricos abertos por uma delicada melodia. No entanto, nem todas as canções de embalar são necessariamente doces, assim como nem todos os sonhos são puros e encantados. Muitas vezes, podem ser abrigos.
Dors petit dors, o título da exposição e da instalação vídeo que é apresentada pela primeira vez, é uma referência direta ao tema homónimo do rapper francês JuL, uma canção que assume a forma de uma canção de embalar destinada a crianças crescidas em famílias que vivem nos subúrbios problemáticos das cidades francesas.
“O papá vai tratar dos problemas, a mamã vai levar-te à escola” - “Mesmo que no fundo discutam, a mamã e o papá amam-se”. Estes são alguns dos versos do rap que tentam tranquilizar aquela criança que, enquanto dorme, encontra refúgio num sonho muito mais parecido com um dos seus videojogos do que com um momento do seu quotidiano.
Para a exposição especialmente concebida para a Kunsthalle Lissabon, o espaço expositivo encontra-
se dividido em duas partes, duas cores, duas atmosferas. Atravessando uma cortina amarela, entramos
diretamente naquele sonho de criança, numa dimensão surreal, onde as cores ficam mais saturadas
e a atmosfera mais densa. Uma grande escultura insuflável, onde somos convidadas a sentarmo-nos,
ocupa o espaço expositivo na sua totalidade, preenchendo-o como um grito forte demais para não ser
escutado.
Uma instalação vídeo multicanal preenche todo o espaço. No vídeo, vemos uma figura feminina, andrógina e potencialmente cibernética que vagueia num deserto, aparentemente sem rumo nem objetivos. Ela é a personagem escolhida por um jovem jogador que não conhecemos e sobre o qual nada sabemos. Ele é, muito provavelmente, o jovem a quem JuL faz referência no seu rap. A imagem que foi usada na comunicação da exposição dá-nos informação adicional: nela vemos um conjunto de brinquedos e uma consola portátil numa cama. As luzes estão apagadas, e a única iluminação disponível é aquela que vem do pequeno ecrã, toda ela azuis e amarelos. Conseguimos antever o jovem pronto para fugir para um mundo de sonho e imaginação. Faz login e está pronto para começar esta nova aventura.
Enquanto a personagem do jogo parece vaguear sem rumo, encontra no seu caminho algumas lembranças felizes da infância e adolescência, mas infância e adolescência de quem? Do jogador ou da personagem do jogo? O primeiro carro brinquedo que perdeu um dia depois de o ter recebido; o seu amado ursinho de peluche que uma vez foi para o hospital consigo; o saco-cama que o fez entender porque não gosta de acampar, mas que ainda carregava consigo uma lembrança que talvez valesse a pena guardar. O deserto torna-se assim uma metáfora do espaço mental e dos afetos do jogador que, a cada vez que desbloqueia um novo item, sobe de nível no jogo, com a esperança de abrir novos cenários e novas formas de autoconfiança.
Sara Sadik permite-nos, através de um simulador de gameplay, entrar num dos sonhos do nosso misterioso protagonista, gamificando não só as memórias de um jovem adolescente, mas também os seus medos, as suas emoções e as suas ambições, muitas vezes consideradas tabu pela sociedade em que vive. A artista conta-nos as histórias, muitas vezes não ditas, de jovens, que lutam para expressar livremente os seus sentimentos e que são incapazes de exprimir o mais simples dos seus desejos, relegando-os para o espaço de liberdade que é definido pelos seus sonhos. Mas é exatamente nesses sonhos, feitos à sua medida, onde podem ser quem quiserem, independentemente do género, vestir o que quiserem, ter um braço cibernético e até se sentirem à vontade para relembrar com carinho e sem recriminações um brinquedo antigo da sua infância.
Através dos seus cenários gerados por computador, Sadik mergulha na difícil vida de crianças e jovens que cresceram em contextos desfavorecidos, tentando criar espaço e visibilidade para eles, investigando frequentemente nesse processo a construção e performance de uma certa ideia de masculinidade, os seus códigos, as suas formas de reprodução e as suas consequências na construção da sociedade como um todo.
Sara Sadik (1994, Bordéus, França) vive e trabalha em Marselha, França.
Recebeu um MFA em Belas Artes na Ecole des Beaux-Arts, Bordéus, França.
O seu trabalho foi exibido internacionalmente em locais como a Villa Medici (Roma, 2023), Basement
Roma (Roma, 2023), Gladstone Gallery (Nova Iorque, 2022), 16a Bienal de Lyon (Lyon, 2022), Matadero
(Madrid, 2021) , Sadie Coles HQ (Londres, 2021), Manifesta 13 (Marselha, 2020), Roodkapje (Roterdão,
2018), Palais de Tokyo (Paris, 2017), Karma International (Zurique, 2017), Art Athina Fair (Atenas, 2017)
, Open’er Festival (Gdynia, 2017) Occidental Temporary (Paris, 2015), entre muitos outros.
A Kunsthalle Lissabon é gentilmente apoiada pela República Portuguesa / DGArtes, Câmara
Municipal de Lisboa, Coleção Maria e Armando Cabral. Dors petit dors foi também apoiada por
Mais França, (programa organizado por a Embaixada da França em Portugal e o Institut Français),
Trampoline, Maat, Fundação edp e BasementRoma.