Lettera d'amore - Alice dos Reis, Tamara MacArthur, La Chola Poblete, Laure Prouvost, Giulio Scalisi, Inês Zenha
A Kunsthalle Lissabon tem o prazer de anunciar "Lettera d'amore", com curadoria de Alberta Romano e obras de Alice dos Reis, Tamara MacArthur, La Chola Poblete, Laure Prouvost, Giulio Scalisi e Inês Zenha. "Lettera d'amore" é a primeira de uma série de três exposições coletivas que irão celebrar o 15º aniversário da Kunsthalle Lissabon.
Cara Kunsthalle Lissabon,
Para esta exposição dedicada a ti, gostaria de abordar um dos pilares sobre os quais baseaste a tua força, credibilidade e reconhecimento internacional ao longo dos anos: a tua hospitalidade. Quero fazer isso porque essa hospitalidade é a mesma que, durante quase cinco anos, me fez sentir em casa apesar dos quilómetros que me separavam da minha.
Este ano, enquanto comemoras o teu 15º aniversário e te encontras na adolescência, não posso deixar de relembrar um pouco da minha, passada num quarto com as aspirações que cobriam as paredes e os sonhos pendurados como cortinas coloridas de contas. A tua hospitalidade, cara Kunsthalle, muitas vezes me fez lembrar como aquele quartinho poderia fazer-me sentir confiante e protegida.
Um quarto de adolescente, como escreveu Olga Campofreda em “Camerette” (1), é aquele lugar onde, potencialmente, todos podem expressar, sem vergonha, todas as ambições que ainda não tiveram coragem de expressar no exterior. O mesmo lugar que dá força para realizar os sonhos guardados dentro daquelas paredes até esse momento.
Para transmitir tal sentimento, pensei em envolver os artistas que me deixaram mais à vontade e que, através das suas exposições individuais, exploraram conceitos de intimidade, lar e abrigo. Queria pensar nos projetos que foram íntimos, não só para mim, mas também para quem os experimentou.
Por exemplo, não poderia deixar de convidar Tamara MacArthur para participar nesta exposição. Cada instalação que cria é como um baú de tesouros que contém uma veia nostálgica e simultaneamente infantil que, uma vez “aberta”, parece exprimir a necessidade intrínseca de partilha que Tamara sempre teve. Uma necessidade que, através da utilização de materiais simples e muitas vezes precários, demonstra toda a fragilidade e procura desesperada de atenção que escondemos dentro de nós.
Daí, a minha mente voou imediatamente para La Chola Poblete, que muitas vezes se coloca no centro das suas próprias obras. As gloriosas representações da artista como diva, ícone votivo ou estrela pronta para embarcar numa turnê mundial lembraram-me do meu próprio orgulho adolescente. Lembro-me de como os pósteres nas paredes do meu quarto me inspiraram a sentir-me mais bonita ou, pelo menos, confiante, estimulando-me inconscientemente a encontrar em mim uma força que ainda não conseguia compreender.
Senti essa mesma força e determinação quando conheci Inês Zenha. Inês contou-me que, uma vez, para sentir a proteção das paredes à sua volta, decidiu pintá-las freneticamente de azul. A cor e as formas nascidas das necessidades deram finalmente a Inês forças para sair daquele quarto, deixando para trás apenas as pinturas que permaneceram confinadas àquele espaço.
Permanecer confinado em casa também está no centro do trabalho de Giulio Scalisi. Paul, o protagonista do seu trabalho, vive numa realidade distópica onde a humanidade adotou um estilo de vida predominantemente isolado. Através do uso de metáforas de ficção científica, Giulio sempre leva o espectador a refletir sobre condições de desconforto brutalmente reais. De facto, o mundo de Paul é habitado principalmente por fantasmas que povoam dias sombrios de solidão.
Com uma delicada vídeo-instalação, Laure Prouvost abre o seu próprio coração e aquele de quem se aproximará para ouvir a sua voz. Ela convida generosamente quem por ali passa a embarcar numa viagem pelo nosso ecossistema, dando-nos também a possibilidade de dar um salto no nosso subconsciente para explorar os seus lados mais escondidos.
Por último, não poderia deixar de incluir “Para a Vida uma Doença de Cobre” de Alice dos Reis. Uma entrevista fictícia com a sua avó, interpretada por uma versão digitalmente envelhecida da própria artista. Uma comovente análise das memórias através das idealizações de um passado que não vivenciamos, mas que ainda tem poder sobre nós.
Toda a exposição não teria sido a mesma sem o toque precioso de Carlos Bártolo, que deu forma e sentido ao sentimento de intimidade que quis fortemente materializar neste projeto.
Em suma, cara Kunsthalle, enquanto penso nos artistas, nas obras e na apresentação desta exposição, acabo de perceber que não convidei apenas pessoas com quem trabalhar foi agradável e enriquecedor. O que fiz, acima de tudo, foi escolher diferentes formas de refletir sobre a força e a autodeterminação que muitas vezes são geradas pela solidão. Também quero agradecer-te mais uma vez por me deixares sozinha apenas o suficiente para que eu pudesse ficar mais forte.
Um agradecimento especial ao Luís e ao João que me acolheram em “casa” desde o primeiro dia; ao Pedro e à Carla que aprenderam a confiar em mim; ao Carlos que coloriu a minha passagem por aqui com a sua simpatia; à Maria João que tornou possível o meu sonho de partilhar o meu espaço de trabalho com crianças; a todos os artistas e profissionais que passaram por aqui e me mostraram o seu lado sincero; e ao Enzo que nunca deixou de me lembrar de acreditar em mim mesma.
Baci baci,
Alberta
A Kunsthalle Lissabon é gentilmente apoiada pela República Portuguesa / DGArtes. Lettera d’amore foi também apoiada por Mais França, (programa organizado por a Embaixada da França em Portugal e o Institut Français), Maat, Fundação edp e Coleção Maria e Armando Cabral.
(1) CAMPOFREDA, O, Camerette, Giulio Einaudi editore, 2023